terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Grande Otelo e o Nó da Gravata

Por Marcos Mairton

Escrever pela manhã é algo que raramente faço. Mas, foram exatamente alguns fatos fora da rotina, e uma coincidência, que me fizeram escrever este texto, nesta manhã do dia 26 de novembro de 2014.
Veja só, caro leitor. Em uma quarta-feira, normalmente acordo pelas seis e meia da manhã. Saio às sete, deixo os meninos no colégio, e, de lá, sigo para uma pracinha perto de casa ou para a Avenida Beira Mar, onde corro durante uns trinta a quarenta minutos. Depois, volto para casa, para começar o dia propriamente dito.
Hoje, não sei por qual razão, acordei um pouco mais cedo que o horário de costume, uns quinze minutos antes das seis. Acontece que as aulas deste ano letivo terminaram sexta-feira passada. Sem ter quem levar à escola, deixei-me vencer pela preguiça, e continuei deitado.
Voltar a dormir não me pareceu uma boa opção, então liguei a TV – afastando-me mais uma vez da minha rotina, já que nunca vejo televisão tão cedo – e observei que havia gravado, na noite anterior, o filme “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, exibido pelo Canal Brasil.
Comecei a ver o filme, e foi aí que apareceu Grande Otelo. Passados menos de dez minutos da trama, logo após uma cena na qual Lúcio Flávio e seus comparsas assaltam um banco, dois investigadores chegam a um bar, perguntando por ele. No dito bar, está o personagem interpretado por Grande Otelo, um pobre diabo que acaba sendo maltratado pelos policiais.
Interessante rever um filme assim, ambientado nos anos sessenta, e perceber como tanta coisa mudou nesses últimos quarenta anos. É tão pouco tempo e, no entanto, os carros, as roupas, o comportamento das pessoas, tudo é muito diferente. Os peitos da atriz que aparece na cama com Lúcio Flávio (Reginaldo Farias) não têm silicone, o banco que eles assaltam não tem porta giratória nem computadores…
Embora que, na verdade, essas reflexões só me vieram à mente depois, quando comecei a escrever. Na hora em que estava vendo o filme, a aparição de Grande Otelo me levou a outro ponto do passado, precisamente o ano de 1979, quando, pela primeira vez, dei um nó em uma gravata.
“Como assim?”, perguntará o leitor que tenha chegado a este ponto. Respondo. No ano de 1979, Grande Otelo fazia parte do elenco da novela “Feijão Maravilha”, na Rede Globo. Em um dos capítulos, houve uma cena na qual ele dava um nó na própria gravata, enquanto conversava com alguém. E, como ele falava e dava o nó ao mesmo tempo, acabava movendo as mãos muito lentamente, o que permitiu que eu observasse os movimentos que fazia para ajustar a gravata ao pescoço.
Terminada a cena, fui ao guarda-roupa onde meu pai guardava o único paletó e a única gravata que possuía. Peguei a gravata e, olhando-me no espelho, repeti os movimentos que Grande Otelo acabara de fazer. Tinha eu, então, treze anos de idade, e dei o primeiro nó de gravata da minha vida. Naquele dia, desfiz o nó e o refiz várias vezes, até ter certeza de que havia aprendido para não mais esquecer.
Não, eu não imaginava que, no futuro, o uso do paletó viesse a fazer parte da minha rotina diária. Nem tampouco que dar meus próprios nós nas minhas gravatas viesse a ter alguma utilidade. Eu simplesmente me interessei pelo que o ator estava fazendo e resolvi imitar.
Mas, o fato é que, hoje, mais de trinta anos depois, quase todos os dias ponho-me diante do espelho e repito aqueles mesmos movimentos, ajustando a gravata, antes de sair para o trabalho.
Ao ver Grande Otelo no filme “Lúcio Flávio, o passageiro da agonia”, essas memórias voltaram, e me veio a curiosidade de consultar a Wikipédia, para ver há quanto tempo o ator faleceu. Descobri, surpreso, que sua morte aconteceu exatamente em um dia 26 de novembro, como hoje. Foi no ano de 1993, de forma que, como diria meu amigo Luiz Berto, completam hoje exatos vinte e um anos desde que Grande Otelo se encantou.
Diante de tal coincidência, só me restou escrever este texto, para registrar o fato, e, aproveitando a ocasião, fazer um justo agradecimento:
– Grande Otelo, muito obrigado por tudo o que fez pela dramaturgia no Brasil. Mas, muito obrigado, sobretudo, por haver me ensinado a dar nó em gravata!

Twitter: @MarcosMairton


Marcos Mairton da Silva é juiz federal, mestre em Direito Público (UFC) e MBA em Poder Judiciário (FGV Rio). Escritor, poeta, cordelista e compositor, é editor do blog Mundo Cordel e mantém intensa atividade literária por meio de sua coluna "Contos, Crônicas e Cordéis", no blog Jornal da Besta Fubana .Escritor cearense, com vários livros publicados, membro fundador da Academia Quixadaense de Letras (AQL) e da Academia Brasileira de Cultura Jurídica (ABCJuris).

Twitter: @MarcosMairton


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