domingo, 12 de agosto de 2018

Pai

Por @GuiCarloni

Pai não tem gestação. Não sofre dor do parto. Não dá o peito. Se não quiser ou não puder, não troca, não dá banho, não cuida, não nina, não limpa, não dá colo, não orienta, não colabora, não alimenta, não conversa, não educa, não leva, não traz, não dá bom exemplo e não faz.

Tecnicamente, é “apenas” o responsável por 50% da geração de um filho. Na vida, a depender do ser, ele pode ser muito mais do que isso.

Porque pai cria. Pai provê. Pai educa. Pai esteia. Pai defende. Pai amamenta. Pai lê. Pai nina. Pai briga. Pai alimenta. Pai penteia. Pai despenteia. Pai choca.  Pai mistura. Pai separa. Pai apara. Pai repara. Pai para. Pai enxuga. Pai escova. Pai escora. Pai brinca. Pai pinta. Pai desenha. Pai borda. Pai monta. Pai desmonta. Pai remonta. Pai toma. Pai corre. Pai troca. Pai veste. Pai esquenta. Pai esfria. Pai cochila. Pai cochicha. Pai conta. Pai canta. Pai lava. Pai leva. Pai passa. Pai busca. Pai cobra. Pai apoia. Pai sofre. Pai medica. Pai negocia. Pai engoma. Pai perfuma. Pai prova. Pai faz. Pai desfaz. Pai refaz. Pai fotografa. Pai esculpe. Pai escreve. Pai arruma. Pai adorna. Pai contorna. Pai adora. Pai assina. Pai machuca. Pai assopra. Pai evidencia. Pai orienta. Pai gira. Pai vai. Pai volta. Pai espera. Pai mostra. Pai amostra. Pai refuta. Pai luta. Pai ouve. Pai opina. Pai fala. Pai colabora. Pai conduz. Pai dá. Pai tira. Pai ajuda. Pai entende. Pai envergonha. Pai desentende. Pai condiz. Pai embala. Pai contradiz. Pai ri. Pai chora. Pai paga. Pai liga. Pai apaga. Pai compra. Pai vende. Pai vê. Pai sorri. Pai conserta. Pai instala. Pai estrala. Pai endossa. Pai nega. Pai apega. Pai segura. Pai pega. Pai toca. Pai retoca. Pai vibra. Pai marca. Pai consulta. Pai sente. Pai assente. Pai pressente. Pai resume. Pai presume. Pai assume. Pai tenta. Pai inventa. Pai estimula. Pai exige. Pai exibe. Pai inibe. Pai empolga. Pai convida. Pai induz. Pai liga. Pai decide. Pai cozinha. Pai prepara. Pai dispara. Pai executa. Pai orquestra. Pai para. Pai acelera. Pai vangloria. Pai reprime. Pai constrói. Pai destrói. Pai esparrama. Pai recolhe. Pai guarda. Pai aguarda. Pai testemunha. Pai joga. Pai ora. Pai pede. Pai implora. Pai cede. Pai retrocede. Pai torce. Pai deixa. Pai culpa. Pai isenta. Pai perdoa. Pai azucrina. Pai erra. Pai berra. Pai estica. Pai pendura. Pai negocia. Pai equilibra. Pai assume. Pai absorve. Pai condena. Pai absolve. Pai resolve. Pai aconselha. Pai desaconselha. Pai imita. Pai limita. Pai pentelha. Pai almeja. Pai despeja. Pai enseja. Pai sonha. Pai alegra. Pai entristece. Pai envelhece. Pai esmorece. Pai adoece. Pai carece. Pai perece. Pai falece. Pai ama. Pai pai.

Feliz dia dos pais!

Guilherme Carloni
12/08/2018

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Mapa Linguístico do Brasil

“O R caipira do interior de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina deve-se ao fato de que os indígenas que aqui moravam não conseguiam falar o R dos portugueses, não havia o som da letra R em muitos dos mais de 1200 idiomas que falavam aqui.

Então na tentativa de se pronunciar o R, acabou-se criando essa jabuticaba brasileira, que não existe em Portugal.

A isso também se deve o fato de muitas pessoas até hoje em dia trocarem L por R, como em farta (falta), frecha (flecha) e firme (filme).

Com a chegada de mais de 1,5 milhão de italianos à capital de São Paulo o sotaque do paulistano incorporou o R vibrante atrás dos dentes, porta como "porita", e em alguns casos até incorporando mais Rs do que existem: carro como "caRRRo", se quem fala for de Mooca, Brás e Bexiga, bairros paulistanos com bastante influência italiana.

O R falado no Rio de Janeiro deve-se ao fato de que quando a corte portuguesa pisou aqui, a moda era falar o R como dos franceses, saindo do fundo da garganta, como em roquêfoRRRRt, paRRRRRi.

A elite carioca tratou de copiar a nobreza, e assim, na contramão do R caipira e 100% brasileiro, o Rio importou seu som de R dos franceses.

Do mesmo modo a corte portuguesa trouxe o S chiado dos cariocas, sendo hoje o Rio o lugar que mais se chia no Brasil, 97% dos cariocas chiam no meio das palavras e 94% chiam no final.

Belém do Pará ocupa o segundo lugar e Florianópolis em terceiro.

As regiões Norte e Sul receberam a partir do século 17 imigrantes dos Açores e ilha da Madeira, lugares onde o S também vira SH. Viviam mais de 15 mil portugueses no Pará, quarta maior população portuguesa no Brasil à época, o que fez os paraenses também incorporarem o S chiado.

Já Porto Alegre misturava indígenas, portugueses, espanhois e depois alemães e italianos, toda essa mistura resultou num sotaque sem chiamento.

Curitiba recebeu muitos ucranianos e poloneses, a falta de vogais nos idiomas desses povos acabou estimulando uma pronúncia mais pausada de vogais como o E, para que se fizessem entender, dando origem ao folclórico "leitE quentE".

Em Cuiabá e outras cidades do interior do Mato Grosso preservou-se o sotaque de Cabral, não sendo incomum os moradores falando de um "djeito diferentE". Os portugueses que se instalaram ali vieram do norte de Portugal e inseriam T antes de CH e D antes de J. E até "hodje os cuiabanos tchamam feijão de fedjão".

Junto com os 800 mil escravos também foram trazidos seus falares, e sua influência que perdura até hoje em se comer o R no final das palavras: Salvadô, amô, calô e a destruição de vogal em ditongos: lavôra, chêro, bêjo, pôco, que aparece em muitos dialetos africanos.

A falta de plurais, o uso do gerúndio sem falar o D (andano, fazeno), a ligação de fonemas em som de z (ozóio, foi simbora) e a simplificação da terceira pessoa do plural (disséro, cantaro) também são heranças africanas.”

do livro "Mapa Linguístico do Brasil" de Renato Mendonça e da Superinteressante desse mês.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

”Reverência ao Destino

E viva Drummond! Viva!

Reverência ao destino

Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião.
Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá.

Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias.
Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.

Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir.
Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso.
E com confiança no que diz.

Fácil é analisar a situação alheia e poder aconselhar sobre esta situação.
Difícil é vivenciar esta situação e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência quando algo o deixa irritado.
Difícil é expressar o seu amor a alguém que realmente te conhece, te respeita e te entende.
E é assim que perdemos pessoas especiais.

Fácil é mentir aos quatro ventos o que tentamos camuflar.
Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.

Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"
Difícil é dizer "adeus", principalmente quando somos culpados pela partida de alguém de nossas vidas...

Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa.

Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só.
Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo do depois. Amar e se entregar, e aprender a dar valor somente a quem te ama.

Fácil é ouvir a música que toca.
Difícil é ouvir a sua consciência, acenando o tempo todo, mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras.
Difícil é seguí-las.
Ter a noção exata de nossas próprias vidas, ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber.
Difícil é estar preparado para escutar esta resposta ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.
Difícil é sorrir com vontade de chorar ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.
Difícil é entregar a alma, sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.
Difícil é entender que pouquíssimas delas vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.
Difícil é ocupar o coração de alguém, saber que se é realmente amado.

Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho.

Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Minas Gerais

Já rodei muito na vida,
Quase o Brasil inteiro
Estradas do norte e do sul
Sem ter nenhum paradeiro.
Mas vou contar uma coisa
E nisso sou bem verdadeiro
Se o mineiro sai de Minas
Minas nunca sai do mineiro

E não pode sair mesmo
Digo de um jeito maneiro
Depois de conhecer o Brasil
Eu posso dizer bem faceiro
Que quem conhece Minas,
Conhece o Brasil inteiro
E orgulhar-se de ser de Minas
É orgulhar-se de ser brasileiro.
Veja o Norte de Minas
Igual a cearense Icó
Tanta seca e pobreza
Que faz qualquer um sentir dó
Aquele calor e secura
Lembra o sertão Seridó
Ali é praticamente o Nordeste.
Só que “um cadinho mió”

Sim, Minas também tem nordeste
Jequitinhonha, dizia minha avó.
Gente aguerrida e guerreira
Que sempre agüenta o jiló
Mas que sabe descansar sossegado
Pescar, esperar o anzol.
Parece o povo baiano
Só que um “cadinho mió”.

Mas é no vale do Mucuri
Que a terra parece de um faraó
Lá tem gente honrada e honesta
Que não vai para o xilindró
Lá o pessoal aproveita de tudo
Dá valor até ao mocotó
Parece muito a Paraíba
Só que é um “cadinho mió”

E o povo do nosso Rio Doce
Povo moreno queimado do sol
Mas que trabalha na terra
Quieto poupando o gogó
Naquelas terras bonitas
Canta alegre o curió
É um pedaço do Espírito Santo
Só que um “cadinho mió”.

E na zona da Mata
Antes, lá era o cafundó.
Hoje tem gente que pensa
Que lá só é festa: samba, baião, carimbó
Mas lá se trabalha bastante
Não pense que é só futebol
Lá é igual o Rio de Janeiro
Só que um “cadinho mió”.

E o nosso sul de Minas
Perseverante como o profeta Jó
Gente que não teme o trabalho
Num labor de sol a sol
Terra de gente importante
Vestida de gravata e paletó
Parece o povo paulista
Só que um “cadinho mió”.

E o povo cafeeiro
Com os pés sujos de pó
Não têm medo de nada
Neles ninguém dá o nó
Café com leite no Brasil
É o nosso grande xodó
Parece o sul de Brasil
Só que um “cadinho mió”

O povo do Triangulo
Que usando um braço só
Derruba um boi pelo chifre
Faz dele um simples totó
È um povo esperto e matreiro
Que não perde tempo fazendo filó
Igual o povo do Mato Grosso
Só que um “cadinho mió”.

E nas nossas Cidades Históricas
Tudo no estilo rococó
lugar de gente ilustre
Tiradentes, Juscelino, Zé Arigó
Terra de revolução e de luta
Inconfidência, revolta, quiproquó
Poderia ser a capital do país
Só que um “cadinho mió”

E no Alto Paranaíba
Café, pães de queijo e de ló
De frutas gostosas, o abricó
Lugar de aves campeiras
A ema, o pavão, o carijó
Lugar de festas famosas
Rezas, danças, forró
Parece muito Goiás
É só um “cadinho mió”.

Se em Minas está o Brasil
Em Belo Horizonte o Brasil é um só
Mineiro de todos os lados
Juntos, amarrados com grande nó
Aos pés da serra do curral
Pertinho da serra do cipó
Não deve nada pra nenhuma capital
Só que a nossa é MUITO E MUITO MIÓ.

terça-feira, 26 de junho de 2018

O PROFESSOR E O FLANELINHA

Por Marcos Mairton

Quando ingressei no Curso de Direito da Universidade de Fortaleza, em 1986, estava com vinte anos de idade, mas já trabalhava no Banco do Nordeste. Um bom emprego, que me permitia pagar com tranquilidade as mensalidades do curso, além de assistir às aulas sem o estresse de quem ainda busca uma vaga no mercado de trabalho.

O curso era noturno. Lembro que, no primeiro dia de aula, cheguei quando o sol ainda nem havia acabado de se por e deixei o carro no estacionamento externo do campus. Naquela época, não havia muita preocupação com assaltos ou furtos.

Um rapazinho de uns quatorze anos que estava por ali, com uma flanela no ombro, prontificou-se a cuidar do carro até que eu voltasse:

– Posso ficar “pastorando” aí, Louro? – perguntou.

“Pastorar” é um verbo que no idioma cearês significa “cuidar de uma coisa alheia, sem tocar nela; manter sob vigilância”. A palavra consta dos dicionários de língua portuguesa como sinônimo de “pastorear”, que vem a ser a atividade do pastor ao cuidar do rebanho. O sentido é praticamente o mesmo.

“Louro” é uma das muitas maneiras de se tratar alguém cujo nome se desconhece.

– Pode! – respondi, de pronto, imaginando que ele pretendia receber alguma paga pelo serviço de vigilância, mas tendo certa dúvida se um jovenzinho daquela idade estaria a postos quando eu retornasse, lá pelas dez da noite.

E fui para minha aula. Quando retornei ao estacionamento, ao final, lá estava ele. Não pediu nada. Seu cumprimento – “Diz aí, Louro!” – foi o sinal para que eu lhe desse algum dinheiro.

A partir daquele dia, deixava costumeiramente o carro naquela área do estacionamento, sob os cuidados do jovem que passei também a chamar de “Louro” – o que fazia até mais sentido, porque, diferentemente de mim, ele tinha os cabelos loiros.

Foi assim durante todo o meu curso de Direito. Estacionava, cumprimentava o Louro e ia assistir às aulas. Ao voltar, encontrava-o esperando o pagamento, ou, o “trocado”, como ele preferia chamar.

Mas nem sempre ficava nisso. Várias vezes dei-lhe camisas e sapatos, em bom estado de conservação, que não mais usava. Era quase uma amizade. Não chegava a tanto, porque a conversa nunca passou de “Diz aí, Louro!”, “Beleza, Louro!” e coisas assim. Logo, nunca fiquei sabendo onde o Louro morava, nem quem seria sua família, se é que tinha família e casa. Tampouco ele mostrava interesse na minha vida pessoal.

A par disso, recordo que muitas vezes cheguei a me questionar sobre o rumo que toma a vida de uma pessoa, conforme ela tenha oportunidade de estudar. E conforme faça uso dessa oportunidade.

Imaginei que o Louro, apenas uns cinco anos mais jovem que eu, deveria ter nascido em uma casa não muito mais pobre que a minha, na periferia de Fortaleza. Talvez tenha frequentado os primeiros anos do ensino fundamental em uma escola pública, como eu. Mas, em algum momento da vida, perdeu o interesse pelos estudos ou a condição de lhes dar sequência. É possível – talvez provável – que tenha sido incentivado pelos próprios pais a deixar o colégio, para contribuir com a renda da família. O contrário do que acontecera comigo, sempre estimulado a buscar nos estudos o caminho para melhorar de vida.

Independentemente dessas conjecturas, o fato é que, durante alguns anos, frequentamos a mesma universidade. Eu assistindo às aulas, ele “pastorando” meu carro. E, ao final daquele período, eu iria receber meu diploma de bacharel em Direito, enquanto ele continuaria sendo um “pastorador” carros, um “flanelinha”.

Passou o tempo. De bacharel em Direito, fiz o exame da Ordem dos Advogados do Brasil e tornei-me advogado; comecei a advogar no escritório de um amigo, e depois, no próprio departamento jurídico do banco onde trabalhava; entrei para o Mestrado em Direito Público da Universidade Federal do Ceará; passei em concurso para Procurador do Banco Central do Brasil; e concluí o mestrado.

Em 1999, já com o título de mestre, voltei à Universidade de Fortaleza, agora como professor do Curso de Direito, do qual fora aluno.

As aulas começavam às sete da noite, mas, no meu primeiro dia, cheguei à UNIFOR um pouco antes de anoitecer. Talvez por nostalgia, abri mão do estacionamento dos professores e deixei o carro na mesma área onde estacionava quando aluno.

Mal acabava de desembarcar, quando ouvi uma voz:

– Diz aí, Louro!

– Fala, Louro! – respondi com entusiasmo. – Tu ainda tá por aqui?

– Todo dia!

– Vai “pastorar” o meu?

– Claro!

– Tô de novo na área – falei sorrindo. – Mas agora como professor.

– É isso aí! Fez bonito! O senhor sabe que o estacionamento de professor é lá dentro, né? Mas, se quiser deixar aí, ninguém “bole”, não.

“Bole” é a terceira pessoa do singular do verbo “bulir”, que tem muitos significados na língua portuguesa. No idioma cearês é sempre utilizado no sentido de “tocar ou mexer em alguma coisa”.

Mas a palavra usada por ele que me chamou mais a atenção foi “senhor”. Era a primeira vez que se dirigia a mim daquela maneira. Certamente por respeito à minha, agora, condição de professor, demonstrando que, apesar de continuar frequentando a universidade apenas para vigiar os carros, reconhecia o valor dos que se dedicam ao ensino.

Iniciava-se, assim, mais um período de vários anos em que frequentei a Universidade de Fortaleza. Todas as noites, de segunda a sexta-feira. Raramente via o Louro, porque, como ele mesmo havia me alertado, o estacionamento dos professores ficava do lado de dentro do campus.

Nessa mesma época, fiz outros concursos. Fui advogado da União, depois tornei-me juiz federal. Deixei de ensinar em 2005, quando me afastei de Fortaleza, para assumir a primeira vara federal de Juazeiro do Norte. Dali, passei por Mossoró, Sobral e Quixadá. Até retornar a Fortaleza, em 2012.

Não voltei mais a ensinar, mas alguns anos depois do retorno a Fortaleza, fui convidado a dar uma palestra em um seminário na Unifor.

Um carro da universidade foi me buscar no fórum. Terminada a palestra, caminhei até a área externa, onde minha mulher me esperava em nosso carro. Passando pelo local onde costumava estacionar, lembrei dos tempos de aluno do curso de Direito.

O relógio marcava vinte e duas horas e mais um punhado de minutos. Alguns estudantes transitavam por ali, andando apressados em direção ao ponto de ônibus ou ao local onde haviam estacionado seus carros. Formava-se um engarrafamento na avenida que passa em frente à universidade. Alheio a todo aquele movimento, um homem de cabelos grisalhos estava sentado no meio-fio, demonstrando cansaço. Os braços apoiados nos joelhos, a testa apoiada nos antebraços.

No instante em que eu passava por ali, ele ergueu a cabeça e falou sorrindo:

– Diz aí, professor!

Era o Louro.



 Marcos Mairton da Silva é juiz federal, mestre em Direito Público (UFC) e MBA em Poder Judiciário (FGV Rio). Escritor, poeta, cordelista e compositor, é editor do blog Mundo Cordel e mantém intensa atividade literária por meio de sua coluna "Contos, Crônicas e Cordéis", no blog Jornal da Besta Fubana .Escritor cearense, com vários livros publicados, membro fundador da Academia Quixadaense de Letras (AQL) e da Academia Brasileira de Cultura Jurídica (ABCJuris).

Twitter: @MarcosMairton


segunda-feira, 14 de maio de 2018

O Sem Saída

Foi encontrado no bolso de um cadáver, quando se preparava para a autópsia, a seguinte carta:
“Senhor delegado do ministério público:
Suicidei-me!... Não culpe ninguém pela minha morte, deixei essa vida porque um dia a mais que eu vivesse, acabaria por morrer louco!
Eu explico-lhe: Tive a desdita de me casar com uma viúva, a qual tinha uma filha; se soubesse disso, jamais teria me casado. Meu pai, para maior desgraça,  era viúvo e quis a fatalidade que se enamorasse e casasse com a filha da minha mulher.
Resultou daí que a minha mulher se tornou sogra do meu pai. A minha enteada ficou a ser a minha mãe e a o meu pai ao mesmo tempo meu genro!
Após algum tempo, a minha filha pôs no mundo uma criança, que veio a ser meu irmão, porém neto da minha mulher, que fiquei a ser avô do meu irmão. Com o decorrer do tempo, a minha mulher pôs também no mundo um menino, que como irmão da minha mãe, era cunhado do meu pai, e meu tio, passando a minha mulher ser a nora da própria filha.
Eu, senhor delegado, fiquei a ser pai da minha mãe, tornando-me irmão dos meus filhos, a minha mulher, ficou a ser minha avó, já que era mãe da minha mãe, assim acabei sendo avô de mim mesmo.
Portanto, antes que a coisa se complicasse mais, resolvi acabar com tudo de uma vez!”

domingo, 13 de maio de 2018

Viver

Um jovem advogado foi indicado para inventariar os pertences de um senhor recém-falecido. Segundo o relatório do seguro social, o idoso não tinha herdeiros ou parentes vivos. Suas posses eram muito simples. O apartamento alugado, um carro velho, móveis baratos e roupas puídas. “Como alguém passa toda a vida e termina só com isso?” Pensou o advogado. Anotou todos os dados e ia deixando a residência quando notou um porta-retratos sobre um criado mudo.

Na foto estava o velho morto. Ainda era jovem, sorridente, ao fundo um mar muito verde e uma praia repleta de coqueiros. À caneta  escrito bem de leve no canto superior da imagem lia-se “sul da Tailândia”. Surpreso, o advogado abriu a gaveta do criado e encontrou um álbum repleto de fotografias. Lá estava o senhor, em diversos momentos da vida, em fotos em todo o canto do mundo.

Em um tango na Argentina, na frente do Muro de Berlim, em um tuk tuk no Vietnã, sobre um camelo com as pirâmides ao fundo, tomando vinho em frente ao Coliseu, entre muitas outras. Na última página do álbum, um mapa, quase todos os países do planeta marcados com um asterisco vermelho, indicando por onde o velho tinha passado.

Escrito à mão no meio do Oceano Pacífico, uma pequena poesia:
Não construí nada que me possam roubar.
Não há nada que eu possa perder.
Nada que eu possa trocar.
Nada que se possa vender.
Eu que decidi viajar,
Eu que escolhi conhecer,
Nada tenho a deixar
Porque aprendi a viver...

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Um ano

Pai, saudades, infinitas saudades!
Teu olhar, o sorriso, um gesto.
O amor que sinto por ti transcende a alma e o tempo, e nem o espaço consegue conter. Se eu conseguir explicar, esse tem sido o meu viver:
São 365 dias e 6 horas sem ver o teu semblante, Pai. Um ano sem a tua presença alegre e exemplar, sem o teu passo vagaroso e o teu jeito diferente de seguir em frente. 
Que falta isso me faz!

Não há como não me lembrar de tantas lições verdadeiras. Já não sei viver sem ter a ti como parte fundamental da memória, como moradia fixa do meu peito e o exemplo de amor puro, real, bonito e eterno.
A emoção reside aqui, dentro de mim e uns pedaços de ti também: 
Tua voz, o teu olhar carinhoso e teu sorriso de gente.
Sinto saudades do que não fizemos, do muito que recebi e do quanto eu poderia ter feito.
Saudades das coisas, do lugar, do falar, de um beijo, um abraço, um carinho e aquele teu jeito diferente. Ou daquela tua frase improvisada, de repente.
Que falta isso me faz!

Saudade é tudo o que fica, de quem não pôde ficar.
Saudades eternas de ti, meu pai!

Zi
30/04/2018











quarta-feira, 18 de abril de 2018

Terminação Verbal


Pensar na terminação verbal ajuda muito na hora da escrita. Se o verbo for finalizado em – AJAR, há um padrão para a grafia; se for finalizado em -UAR, há um outro padrão.

1. -AJAR e – UJAR

Os verbos finalizados em -AJAR – como encorajar e viajar – conservam o “j” no presente do subjuntivo:
que eu viaje
que tu viajes
que ele viaje
que nós viajemos
que vós viajeis
que eles viajem

O fato interessante é que os substantivos derivados desses verbos são grafados com “g”: coragem, viagem.


2. -UAR

Os verbos finalizados em – UAR – como atuar, continuar, cultuar, efetuar, excetuar – são grafados com “e” (e não com “i”) no presente do subjuntivo:

que eu atue
que tu atues
que ele atue
que nós atuemos
que vós atueis
que eles atuem

3. -UIR

Os verbos finalizados em -UIR – como concluir, contribuir, diminuir, possuir – são grafados com “i” (e não com “e”) na 3ª pessoa do singular, no presente do indicativo:


ele conclui
ele contribui
ele diminui
ele possui

Observar a terminação verbal é um ótimo recurso ortográfico.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Catador de Lindezas

"Eu venho de lá,
onde o bem é maior.
De onde a maldade seca, não brota.
De onde é sol, mesmo em dia de chuva e a chuva chega como bênção.
Lá sempre tem uma asa, um abrigo para proteger do vento e das tempestades.
Eu venho de um lugar
que tem cheiro de mato, água de rio logo ali e passarinho em todas as estações.
Eu venho de um lugar em que se divide o pão,
se divide a dor
e se multiplica o amor.
Eu venho de um lugar onde quem parte
fica para sempre,
porque só deixou boas lembranças.
Eu venho de um lugar onde criança é anjo, jovem é esperança
e os mais velhos são confiança e sabedoria.
Eu venho de um lugar onde irmão é laço de amor e amigo é sempre abraço.
Onde o lar acolhe para sempre, como o coração de mãe.
Eu venho de um lugar que é luz mesmo em noite escura.
Que é paz, fé e carinho. Eu venho de lá e não estou sozinho,
"SOU CATADOR DE LINDEZAS",
sobrevivo de encantamento,
me alimento do que é bom, do bem.
Procuro bonitezas
e bem-querer,
sobrevivo do que tem clareza e só busco o que aprendi a gostar.
Não esqueço de onde venho e vou sempre querer voltar.
Meu lugar se sustenta do bem que encontro pelo caminho, junto a maços de alfazema e alecrim. Assim, sou como passarinho carregando a bagagem de bondade, catando gravetos de cheiro, para esquentar e sustentar o ninho...

Talvez a vida tenha feito você acreditar que este lugar não exista.
Eu digo: tem sim, é fácil encontrar.
Silencie, respire, desarme-se, perceba, é pertinho.
Este lugar que pulsa amor é dentro da gente,
é essência,
está em cada um de nós.
Basta a gente buscar."

Autor desconhecido


Mãe Querida,

Há quase três anos, 30 de abril de 2017, vivenciamos juntas a triste partida do seu grande e inseparável companheiro, meu amado pai. Aos pr...