Longe, mas muito longe, de querer escrever algo que seja
definitivo ou convincente e arrebatador, arrisco-me em meio a tantos cientistas
políticos, jornalistas, historiadores, gente com bastante experiência
sócio-política, antropólogos, etc., sem qualquer pretensão mais específica ou
procuração de ninguém, a discorrer sobre os principais pensamentos que habitam
minha cabeça durante os últimos dias; influenciado, sobretudo, pelas
manifestações do último Domingo, onde estive. Considere-se que momentos de
grande comoção tendem a gerar reflexões, textos e conclusões demasiadamente maculados
pela emoção. Não que tal viés seja errado ou reprovável, mas é um risco que
precisa ser conhecido e, se possível, controlado.
Era Domingo, 13 de março de 2016, quando o Brasil se viu
diante da maior manifestação pública e de cunho político de sua história. A
mobilização popular começou cerca de 40 ou 50 dias antes, talvez um pouco menos.
Foi tomando corpo, principalmente, através das redes sociais e ganhou muita
força à medida que alguns fatos foram se sedimentando na operação Lava Jato, especialmente
em suas últimas duas semanas. Dois ou três destes episódios, sugerem-se,
tiveram papel bastante relevante: a publicação da delação do ex-senador petista
e ex-líder do PT no governo, Sr. Delcidio Amaral (atualmente preso), na qual
Lula, Aecio Neves e outras figuras públicas foram acusadas de receber ilicitamente
dinheiro e/ou bens de empreiteiras, o depoimento do ex-presidente Lula à Polícia
Federal (em 04/março), quando fora interrogado sobre o já famoso apartamento de
três andares do Guarujá e, finalmente, suas próprias palavras ao sair da PF e
se dirigir à sede do PT em SP, horas depois. Abre parênteses: fala esta (ele
não se deixa interrogar) que misturou emoção, sarcasmo e deboche, voltada a
seus correligionários, em qual as acusações contra ele eram solenemente
ignoradas e substituídas pela oportunidade de se vitimizar, colher aplausos e
tentar inflamar os seus seguidores, incitando-os à luta. Orador mestre que é,
não deixou a chance lhe escapar. Autopropagandeou-se à exaustão. No mesmo dia,
tivemos o vazamento do vídeo da deputada Jandira, que filmou Lula,
inadvertidamente, minutos antes do referido pronunciamento, em conversa
telefônica com a presidente Dilma, dizendo palavras não muito bonitas –
supostamente – referindo-se a promotores e delegados do processo que o acusa. E
mais gente se motivou a participar no dia 13 de março. Fecha parênteses.
Por diferentes motivações – mais diferentes do que eu poderia
tentar imaginar, mesmo com muito esforço –milhões de pessoas decidiram ir às
ruas. Eu, como já disse, fui um deles e, mais adiante, tentarei esclarecer meus
porquês. A temperatura naquele início de tarde na capital paulistana era amena
e, mesmo em época de fortes chuvas, não se viu uma única gota. Não fosse assim,
imagino que a adesão pudesse ter sido muito menor.
Registros divulgados até aqui, dão conta de que houve
passeatas em 240 cidades do país. Dependendo da fonte ou da metodologia de
estimação, o número total de participantes esteve entre 3.0 e 6.5 milhões,
sendo 500mil a 2.0 ou 2.5 milhões – talvez a metade – só na av. Paulista, em
São Paulo. Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Manaus, Porto
Alegre, Curitiba, Goiânia, Florianópolis – entre todas as outras – inteiram a
conta.
Enquanto a organização dos eventos se põe em acordo com a
Polícia e demais instituições sobre o número de pessoas que estiveram presentes
nas marchas, posso dizer que estar na maior e mais numerosa delas foi
revelador. Se, por um lado, minha vontade de gritar apartidariamente pelo
Brasil (e fazer boas fotos!) se fez válida e presente, por outro, fazê-lo ao lado
de alguns grupos, ideologias, cartazes e pessoas específicos, deixou-me, se não
outro, embasbacado. Colocando de maneira clara, não compactuo com tudo que vi.
A minha voz não era a mesma do que “qualquer outra” ali e eu não buscava
exatamente o que “qualquer um” daquela avenida buscava. Eram muitas demandas
misturadas. Tanto que manifestação “da elite” ou “dos coxinhas”, como sugerem
os defensores mais ferrenhos do PT, assemelhava-se muito mais com um x-tudo; sanduíche com vários tipos de recheio
que, no final, não se conformam em um gosto único.
A coerência, por exemplo, não parece ter sido, de novo,
vedete nas tantas ruas coloridas de verde e amarelo. Senão, como explicar a
imensa quantidade de gente ostentando a logo da CBF no peito? Deu vergonha.
E os milicos reformados, discursando em carros de som? Eu
respeito. Eu ouço e até tolero, como cidadão do bem (e curioso) que sou. Mas
uma intervenção militar é, na minha opinião, a última coisa que o país precisa.
Seria a falência de um jovem regime democrático que vem se construindo – como
falhas, diga-se – ao longo das últimas décadas. Imaginem-se, de repente,
vivendo à margem de todas as conquistas de liberdade conseguidas até aqui. Não.
Quem foi, viu de perto, por exemplo, dois medalhões do
principal partido oposicionista serem praticamente enxotados da avenida
Paulista. Geraldo Alckmin e Aecio Neves que, em teoria, deveriam ter sido bem
recebidos e, talvez, até aclamados por sua (fraca) postura de oposição. Foram com
intenção de discursar, mas não conseguiram chegar a um dos caminhões de som. As
pessoas entenderam que a corrupção permeia – arrisco – toda a classe política
nacional e parecem ter reagido unissonamente a tal. E de forma a não deixar
dúvidas: o que estava em jogo ali não tinha legenda, era algo maior.
Quem foi, viu e ouvi as vaias aos discursos dos igualmente
oportunistas Levi Fidelix e Silas Malafaia. Foi ficando, a cada minuto, mais
claro que o fato de ir ou discursar não bastava. Era preciso representar muita
gente e não estar associado a qualquer ideologia menos inclusiva, retrógrada ou
ainda a legendas e preceitos não totalmente democráticos.
Quem foi, viu também que debate racial que tomou conta das
redes sociais logo depois das manifestações, por conta de uma fotografia de um
casal na passeata do Rio de Janeiro, seus dois filhos e a babá (negra), foi uma
grande bobagem. Alegavam que aquela seria a única ou uma das únicas negras no
manifesto e que ela não estivesse ali por vontade própria, na tentativa de
desclassificar a representatividade dos participantes da manifestação. Havia
negros, sim. De forma não intencional, eles estão em muitas das fotos que fiz,
no meio da multidão, ocupando espaço livremente, como qualquer um dos demais
cidadãos. Assim como todos os sexos e opções sexuais estavam representados.
Diversas culturas e religiões – vi uma turma de turbante e uma “legião da
ordem”, em paletó e gravata. Idosos, muitos idosos! Crianças, cães e babás (vi
pouquíssimas). Muitos ciclistas. Tribos das mais diferentes. Tinha gente mais
fervorosa e gente mais calma. Gente que foi para falar sério e gente que foi
para festejar; acontece. Teve muita selfie
e teve selfie com policial. Não gosto
de nenhuma, mas é preciso respeitar! Havia famílias demais, todos juntos em
prol de seu algo. O curioso, mas não tanto, foi notar que todos os comentários
maldosos sobre as etnias das passeatas saíram de gente que não esteve nelas.
São, via de regra, as mesmas pessoas que questionam a credibilidade da mídia.
Vida que segue!
Não seremos um país melhor enquanto não aprendermos a lidar
civilizadamente com o trânsito. Não seremos um país melhor enquanto a vontade
individual guiar as ações coletivas – e não o contrário. Não seremos um país
melhor enquanto houver desrespeito a classes, gêneros, credos e/ou opções
sexuais. Não seremos um país melhor enquanto houver gente furando fila, pagando
propina, clonando cartão, burlando rodízio de placas, roubando sinal de TV e
outros serviços, inventando recibo para imposto de renda, fomentando comércio
de produtos-pirata e/ou fazendo uso de tantas outras traquitanas que, por
vezes, nos (des)classificam em comparações com outros povos. Se há algo que eu
não acho bonito é o tal “jeitinho brasileiro” – sem hipocrisia.
Analogamente, não seremos um país melhor “apenas” por que
milhões de pessoas foram para as ruas em 13/03 ou irão em 18/03 e outras datas,
a favor de qualquer lado que seja. As manifestações – sobretudo as pacíficas,
como têm sido as últimas e torço pelas próximas – são uma bela ilustração da
democracia, mas não credenciam seus participantes a nada e, pelo exposto,
precisam ser entendidas com um pouco mais de detalhes.
Não se sabe o que será do nosso país no futuro próximo, mas
algumas torres parecem abaladas à la Pisa.
Impeachment? Impugnação da chapa eleita?
Renúncia? Prisões? Novas eleições? Assume o Cunha? O Temer?
Na conturbada situação política em que se encontra nosso
Executivo Federal, há vários caminhos de solvência. Cada um, logicamente, com
suas consequências, seus prós, contras e, claro, com maior ou menor
probabilidade de ocorrência. O que parece não ter solução é a falta de autocrítica
e decorrentes medidas corretivas por parte do governo do país. Pelas últimas
declarações, parece que a crise – a eles – nem existe. A tal governabilidade
que não marca presença, desde há uns meses, faz cada dia mais falta. Um
paradoxo para lá de interessante já que este seria, na visão de muitos, um momento
crucial para uma verdadeira reviravolta administrativa. Seria deveras
convincente, entre todos os demais benefícios, se as rédeas do país voltassem a
ser levadas por pulsos firmes. Entretanto, para aprofundar a partir daqui, seria
preciso transcorrer sobre (além da conhecida falta de auto reconhecimento) a
capacidade de liderança e alianças da presidente Dilma, duas pilastras
construídas com areia seca em seu governo.
Respeitando-se as condições normais de temperatura e pressão,
as CNTP, expressão clássica na Física e na Química para, resumidamente, buscar excluir
agentes externos de uma análise, consigo imaginar as seguintes hipóteses de
solução: [a] nada acontece e a presidente Dilma segue seu mandato até 2018 (seja
pela derrota do pedido de impeachment,
seja pela sua simples não votação), [b] o pedido de impeachment é votado “sim” na Câmara e Senado (assumiria o
vice-presidente, Michel Temer), [c] a chapa PT-PMDB é destituída do cargo por impugnação
atribuída a qualquer irregularidade na campanha (aqui, abrem-se duas rotas: se ocorre
ainda em 2016, haveria novas eleições; se, em 2017 ou 2018, o Congresso nomearia
um presidente interino, que governaria até o fim de 2018) ou [d] a presidente
Dilma renuncia ao cargo (assumiria o vice-presidente).
Não há solução ideal, note-se. A menos pior, a meu ver, pareceria
ser a manutenção do governo até o término do seu mandato – buscando-se, ao
máximo, que o governo siga caminho independente dos investigados na operação
Lava Jato e lute veementemente pelas reformas das quais carece tanto a nação. Válido
somente até quando outros membros da administração pública federal forem eventualmente
arrolados nos processos, furando as CNTP.
Qualquer que seja a saída, é certo que ela impactará a
sociedade nos próximos anos. Tal iminência já seria, per se, motivo razoável para incentivar as pessoas a se envolver e tentar
fazer parte da solução. Menos frustração, esperar-se-ia, em seguida. A história
mostra ainda que os momentos mais críticos e de ruptura nas sociedades exigem posicionamentos
claros das pessoas, que elas sejam francas consigo e com os demais, assumindo
um lado pelo bem de todos. Aparentemente, as vésperas da possível votação de um
provável processo de impedimento de nosso governo não deixam margem para a omissão
e a falta de opinião. As pessoas foram, então, às ruas. Motivadas pelo fim da
corrupção, para requerer soluções que nunca chegam, para exigir a prisão do
Lula ou para se posicionar contra a situação (em qualquer aspecto). Há que se
ressalvar, entretanto, que “assumir um lado” não significa, como adoram martelar
os governistas mais fanáticos, agarrar-se e/ou concordar necessariamente com o
outro. O princípio da dualidade não pode ser tão levianamente utilizado. A
polarização da argumentação é reles, é fraca e tem intuito diruptivo, não
construtivo. Assim sendo, se você não é capaz de enxergar as nuances que
existem – e hão de existir! – entre um lado e o outro, num cenário tão complexo
como este, é recomendável que você não entre em uma discussão. A menos que seu
intuito seja brigar.
Eu quero, como você quer e como – suponho – todos os
brasileiros querem, um país melhor. Uma vida mais digna e cheia de
possibilidades isonômicas a todos. Mínima diferença social. Máxima segurança e
distribuição de cultura. Uma Saúde robusta. Mas a minha pequena luta que,
revele-se, é mais interna do que externa, não me permite sequer imaginar
ignorar as conquistas do passado ou a associação dos meus sonhos a fanáticos
religiosos, órgãos, clubes, empresas, etc.; eu não sou “hashtag_nomedojuiz”, embora
reconheça o valor de seu trabalho. Eu não quero ser representado por nenhuma
ideologia religiosa ou qualquer um de seus representantes, seus altos decibéis
e as suas abundantes isenções tributárias. Eu quero distância dos radicais
direitistas (a mesma que quero de seus equivalentes esquerdistas). Eu não
consigo vangloriar a Polícia Federal mesmo concordando que eles estão fazendo
um ótimo trabalho. Eu não acho certo compactuar com um levante emocionado e a
todo e qualquer custo. Mas também não é possível ignorar as investigações que
têm sido feitas. O país carece de justiça. A apuração séria de quem quer que
seja deve seguir sendo o mote principal desta operação Lava Jato e de qualquer
outra que se arme. Doa a quem doer!
Bradamos alto quando o assunto é corrupção – parece que é
questão inabalável: todos contra. Porém, é fundamental que se investigue tudo,
sem qualquer relação com instituições, pessoas, orientações ou partidos. A lei
é uma só e as consequências por desrespeitá-la devem ser aplicadas a todos que
a infringiram, incondicionalmente. Não dá para tolerar um tríplex-brinde, um
enriquecimento de 30 milhões pautado em palestras não comprovadas (suposição
minha), um sítio “emprestado de amigos” ou um cofre cheio de obras de arte, da
mesma forma que não podemos compactuar com os desvios de verba nas obras do
metrô, com a lengalenga mal contada das merendas escolares e/ou com o super
(hiper!) faturamento das ciclovias paulistanas, para citar somente alguns
poucos exemplos recentes. Há que se exigir o mesmíssimo tipo de processo
investigativo, julgamentos e penas a todos os citados nas delações. Sem
exceção!
Apurem-se as evidências e punam-se os responsáveis.
Criminalmente, civilmente e em qualquer outra esfera envolvida. Punam-se todos.
Com respeito e seriedade e não com desespero ou desrespeito, como, por exemplo,
notou-se na atabalhoada, por assim dizer, tentativa de prisão preventiva que o
MP de São Paulo protocolou há uma semana, contra o ex-presidente Lula. Se for
para ser assim, é preferível parar e recombinar as regras. É um caminho sombrio
e amedrontador que nos levaria a perder as referências sobre o que pode e o que
não pode ser feito. Seria abrir mão da coerência em nome de algo bastante menor.
Da mesma forma, como não sou totalitário, considero absolutamente imoral a
tentativa de se “convidar” o ex-presidente Lula a ocupar um ministério como rota
de fuga ao risco de uma eventual condenação pela justiça comum. Não há, pelo
menos até aqui, justificativa (comprovada ou não) para se requerer uma prisão preventiva
do Lula bem como, de tal modo, não existe decência na artimanha da pasta
ministerial. Sejam sérios e povo há de endossá-los. Sejam fracos e inventivos que
povo se dispersa.
GuiCarloni15032016