quarta-feira, 16 de março de 2016

X-TUDO

Longe, mas muito longe, de querer escrever algo que seja definitivo ou convincente e arrebatador, arrisco-me em meio a tantos cientistas políticos, jornalistas, historiadores, gente com bastante experiência sócio-política, antropólogos, etc., sem qualquer pretensão mais específica ou procuração de ninguém, a discorrer sobre os principais pensamentos que habitam minha cabeça durante os últimos dias; influenciado, sobretudo, pelas manifestações do último Domingo, onde estive. Considere-se que momentos de grande comoção tendem a gerar reflexões, textos e conclusões demasiadamente maculados pela emoção. Não que tal viés seja errado ou reprovável, mas é um risco que precisa ser conhecido e, se possível, controlado.

Era Domingo, 13 de março de 2016, quando o Brasil se viu diante da maior manifestação pública e de cunho político de sua história. A mobilização popular começou cerca de 40 ou 50 dias antes, talvez um pouco menos. Foi tomando corpo, principalmente, através das redes sociais e ganhou muita força à medida que alguns fatos foram se sedimentando na operação Lava Jato, especialmente em suas últimas duas semanas. Dois ou três destes episódios, sugerem-se, tiveram papel bastante relevante: a publicação da delação do ex-senador petista e ex-líder do PT no governo, Sr. Delcidio Amaral (atualmente preso), na qual Lula, Aecio Neves e outras figuras públicas foram acusadas de receber ilicitamente dinheiro e/ou bens de empreiteiras, o depoimento do ex-presidente Lula à Polícia Federal (em 04/março), quando fora interrogado sobre o já famoso apartamento de três andares do Guarujá e, finalmente, suas próprias palavras ao sair da PF e se dirigir à sede do PT em SP, horas depois. Abre parênteses: fala esta (ele não se deixa interrogar) que misturou emoção, sarcasmo e deboche, voltada a seus correligionários, em qual as acusações contra ele eram solenemente ignoradas e substituídas pela oportunidade de se vitimizar, colher aplausos e tentar inflamar os seus seguidores, incitando-os à luta. Orador mestre que é, não deixou a chance lhe escapar. Autopropagandeou-se à exaustão. No mesmo dia, tivemos o vazamento do vídeo da deputada Jandira, que filmou Lula, inadvertidamente, minutos antes do referido pronunciamento, em conversa telefônica com a presidente Dilma, dizendo palavras não muito bonitas – supostamente – referindo-se a promotores e delegados do processo que o acusa. E mais gente se motivou a participar no dia 13 de março. Fecha parênteses.

Por diferentes motivações – mais diferentes do que eu poderia tentar imaginar, mesmo com muito esforço –milhões de pessoas decidiram ir às ruas. Eu, como já disse, fui um deles e, mais adiante, tentarei esclarecer meus porquês. A temperatura naquele início de tarde na capital paulistana era amena e, mesmo em época de fortes chuvas, não se viu uma única gota. Não fosse assim, imagino que a adesão pudesse ter sido muito menor.

Registros divulgados até aqui, dão conta de que houve passeatas em 240 cidades do país. Dependendo da fonte ou da metodologia de estimação, o número total de participantes esteve entre 3.0 e 6.5 milhões, sendo 500mil a 2.0 ou 2.5 milhões – talvez a metade – só na av. Paulista, em São Paulo. Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Manaus, Porto Alegre, Curitiba, Goiânia, Florianópolis – entre todas as outras – inteiram a conta.

Enquanto a organização dos eventos se põe em acordo com a Polícia e demais instituições sobre o número de pessoas que estiveram presentes nas marchas, posso dizer que estar na maior e mais numerosa delas foi revelador. Se, por um lado, minha vontade de gritar apartidariamente pelo Brasil (e fazer boas fotos!) se fez válida e presente, por outro, fazê-lo ao lado de alguns grupos, ideologias, cartazes e pessoas específicos, deixou-me, se não outro, embasbacado. Colocando de maneira clara, não compactuo com tudo que vi. A minha voz não era a mesma do que “qualquer outra” ali e eu não buscava exatamente o que “qualquer um” daquela avenida buscava. Eram muitas demandas misturadas. Tanto que manifestação “da elite” ou “dos coxinhas”, como sugerem os defensores mais ferrenhos do PT, assemelhava-se muito mais com um x-tudo; sanduíche com vários tipos de recheio que, no final, não se conformam em um gosto único.

A coerência, por exemplo, não parece ter sido, de novo, vedete nas tantas ruas coloridas de verde e amarelo. Senão, como explicar a imensa quantidade de gente ostentando a logo da CBF no peito? Deu vergonha.

E os milicos reformados, discursando em carros de som? Eu respeito. Eu ouço e até tolero, como cidadão do bem (e curioso) que sou. Mas uma intervenção militar é, na minha opinião, a última coisa que o país precisa. Seria a falência de um jovem regime democrático que vem se construindo – como falhas, diga-se – ao longo das últimas décadas. Imaginem-se, de repente, vivendo à margem de todas as conquistas de liberdade conseguidas até aqui. Não.

Quem foi, viu de perto, por exemplo, dois medalhões do principal partido oposicionista serem praticamente enxotados da avenida Paulista. Geraldo Alckmin e Aecio Neves que, em teoria, deveriam ter sido bem recebidos e, talvez, até aclamados por sua (fraca) postura de oposição. Foram com intenção de discursar, mas não conseguiram chegar a um dos caminhões de som. As pessoas entenderam que a corrupção permeia – arrisco – toda a classe política nacional e parecem ter reagido unissonamente a tal. E de forma a não deixar dúvidas: o que estava em jogo ali não tinha legenda, era algo maior.

Quem foi, viu e ouvi as vaias aos discursos dos igualmente oportunistas Levi Fidelix e Silas Malafaia. Foi ficando, a cada minuto, mais claro que o fato de ir ou discursar não bastava. Era preciso representar muita gente e não estar associado a qualquer ideologia menos inclusiva, retrógrada ou ainda a legendas e preceitos não totalmente democráticos.

Quem foi, viu também que debate racial que tomou conta das redes sociais logo depois das manifestações, por conta de uma fotografia de um casal na passeata do Rio de Janeiro, seus dois filhos e a babá (negra), foi uma grande bobagem. Alegavam que aquela seria a única ou uma das únicas negras no manifesto e que ela não estivesse ali por vontade própria, na tentativa de desclassificar a representatividade dos participantes da manifestação. Havia negros, sim. De forma não intencional, eles estão em muitas das fotos que fiz, no meio da multidão, ocupando espaço livremente, como qualquer um dos demais cidadãos. Assim como todos os sexos e opções sexuais estavam representados. Diversas culturas e religiões – vi uma turma de turbante e uma “legião da ordem”, em paletó e gravata. Idosos, muitos idosos! Crianças, cães e babás (vi pouquíssimas). Muitos ciclistas. Tribos das mais diferentes. Tinha gente mais fervorosa e gente mais calma. Gente que foi para falar sério e gente que foi para festejar; acontece. Teve muita selfie e teve selfie com policial. Não gosto de nenhuma, mas é preciso respeitar! Havia famílias demais, todos juntos em prol de seu algo. O curioso, mas não tanto, foi notar que todos os comentários maldosos sobre as etnias das passeatas saíram de gente que não esteve nelas. São, via de regra, as mesmas pessoas que questionam a credibilidade da mídia. Vida que segue!

Não seremos um país melhor enquanto não aprendermos a lidar civilizadamente com o trânsito. Não seremos um país melhor enquanto a vontade individual guiar as ações coletivas – e não o contrário. Não seremos um país melhor enquanto houver desrespeito a classes, gêneros, credos e/ou opções sexuais. Não seremos um país melhor enquanto houver gente furando fila, pagando propina, clonando cartão, burlando rodízio de placas, roubando sinal de TV e outros serviços, inventando recibo para imposto de renda, fomentando comércio de produtos-pirata e/ou fazendo uso de tantas outras traquitanas que, por vezes, nos (des)classificam em comparações com outros povos. Se há algo que eu não acho bonito é o tal “jeitinho brasileiro” – sem hipocrisia.

Analogamente, não seremos um país melhor “apenas” por que milhões de pessoas foram para as ruas em 13/03 ou irão em 18/03 e outras datas, a favor de qualquer lado que seja. As manifestações – sobretudo as pacíficas, como têm sido as últimas e torço pelas próximas – são uma bela ilustração da democracia, mas não credenciam seus participantes a nada e, pelo exposto, precisam ser entendidas com um pouco mais de detalhes.
Não se sabe o que será do nosso país no futuro próximo, mas algumas torres parecem abaladas à la Pisa.
Impeachment? Impugnação da chapa eleita? Renúncia? Prisões? Novas eleições? Assume o Cunha? O Temer?    

Na conturbada situação política em que se encontra nosso Executivo Federal, há vários caminhos de solvência. Cada um, logicamente, com suas consequências, seus prós, contras e, claro, com maior ou menor probabilidade de ocorrência. O que parece não ter solução é a falta de autocrítica e decorrentes medidas corretivas por parte do governo do país. Pelas últimas declarações, parece que a crise – a eles – nem existe. A tal governabilidade que não marca presença, desde há uns meses, faz cada dia mais falta. Um paradoxo para lá de interessante já que este seria, na visão de muitos, um momento crucial para uma verdadeira reviravolta administrativa. Seria deveras convincente, entre todos os demais benefícios, se as rédeas do país voltassem a ser levadas por pulsos firmes. Entretanto, para aprofundar a partir daqui, seria preciso transcorrer sobre (além da conhecida falta de auto reconhecimento) a capacidade de liderança e alianças da presidente Dilma, duas pilastras construídas com areia seca em seu governo.

Respeitando-se as condições normais de temperatura e pressão, as CNTP, expressão clássica na Física e na Química para, resumidamente, buscar excluir agentes externos de uma análise, consigo imaginar as seguintes hipóteses de solução: [a] nada acontece e a presidente Dilma segue seu mandato até 2018 (seja pela derrota do pedido de impeachment, seja pela sua simples não votação), [b] o pedido de impeachment é votado “sim” na Câmara e Senado (assumiria o vice-presidente, Michel Temer), [c] a chapa PT-PMDB é destituída do cargo por impugnação atribuída a qualquer irregularidade na campanha (aqui, abrem-se duas rotas: se ocorre ainda em 2016, haveria novas eleições; se, em 2017 ou 2018, o Congresso nomearia um presidente interino, que governaria até o fim de 2018) ou [d] a presidente Dilma renuncia ao cargo (assumiria o vice-presidente).

Não há solução ideal, note-se. A menos pior, a meu ver, pareceria ser a manutenção do governo até o término do seu mandato – buscando-se, ao máximo, que o governo siga caminho independente dos investigados na operação Lava Jato e lute veementemente pelas reformas das quais carece tanto a nação. Válido somente até quando outros membros da administração pública federal forem eventualmente arrolados nos processos, furando as CNTP.

Qualquer que seja a saída, é certo que ela impactará a sociedade nos próximos anos. Tal iminência já seria, per se, motivo razoável para incentivar as pessoas a se envolver e tentar fazer parte da solução. Menos frustração, esperar-se-ia, em seguida. A história mostra ainda que os momentos mais críticos e de ruptura nas sociedades exigem posicionamentos claros das pessoas, que elas sejam francas consigo e com os demais, assumindo um lado pelo bem de todos. Aparentemente, as vésperas da possível votação de um provável processo de impedimento de nosso governo não deixam margem para a omissão e a falta de opinião. As pessoas foram, então, às ruas. Motivadas pelo fim da corrupção, para requerer soluções que nunca chegam, para exigir a prisão do Lula ou para se posicionar contra a situação (em qualquer aspecto). Há que se ressalvar, entretanto, que “assumir um lado” não significa, como adoram martelar os governistas mais fanáticos, agarrar-se e/ou concordar necessariamente com o outro. O princípio da dualidade não pode ser tão levianamente utilizado. A polarização da argumentação é reles, é fraca e tem intuito diruptivo, não construtivo. Assim sendo, se você não é capaz de enxergar as nuances que existem – e hão de existir! – entre um lado e o outro, num cenário tão complexo como este, é recomendável que você não entre em uma discussão. A menos que seu intuito seja brigar.

Eu quero, como você quer e como – suponho – todos os brasileiros querem, um país melhor. Uma vida mais digna e cheia de possibilidades isonômicas a todos. Mínima diferença social. Máxima segurança e distribuição de cultura. Uma Saúde robusta. Mas a minha pequena luta que, revele-se, é mais interna do que externa, não me permite sequer imaginar ignorar as conquistas do passado ou a associação dos meus sonhos a fanáticos religiosos, órgãos, clubes, empresas, etc.; eu não sou “hashtag_nomedojuiz”, embora reconheça o valor de seu trabalho. Eu não quero ser representado por nenhuma ideologia religiosa ou qualquer um de seus representantes, seus altos decibéis e as suas abundantes isenções tributárias. Eu quero distância dos radicais direitistas (a mesma que quero de seus equivalentes esquerdistas). Eu não consigo vangloriar a Polícia Federal mesmo concordando que eles estão fazendo um ótimo trabalho. Eu não acho certo compactuar com um levante emocionado e a todo e qualquer custo. Mas também não é possível ignorar as investigações que têm sido feitas. O país carece de justiça. A apuração séria de quem quer que seja deve seguir sendo o mote principal desta operação Lava Jato e de qualquer outra que se arme. Doa a quem doer!

Bradamos alto quando o assunto é corrupção – parece que é questão inabalável: todos contra. Porém, é fundamental que se investigue tudo, sem qualquer relação com instituições, pessoas, orientações ou partidos. A lei é uma só e as consequências por desrespeitá-la devem ser aplicadas a todos que a infringiram, incondicionalmente. Não dá para tolerar um tríplex-brinde, um enriquecimento de 30 milhões pautado em palestras não comprovadas (suposição minha), um sítio “emprestado de amigos” ou um cofre cheio de obras de arte, da mesma forma que não podemos compactuar com os desvios de verba nas obras do metrô, com a lengalenga mal contada das merendas escolares e/ou com o super (hiper!) faturamento das ciclovias paulistanas, para citar somente alguns poucos exemplos recentes. Há que se exigir o mesmíssimo tipo de processo investigativo, julgamentos e penas a todos os citados nas delações. Sem exceção!

Apurem-se as evidências e punam-se os responsáveis. Criminalmente, civilmente e em qualquer outra esfera envolvida. Punam-se todos. Com respeito e seriedade e não com desespero ou desrespeito, como, por exemplo, notou-se na atabalhoada, por assim dizer, tentativa de prisão preventiva que o MP de São Paulo protocolou há uma semana, contra o ex-presidente Lula. Se for para ser assim, é preferível parar e recombinar as regras. É um caminho sombrio e amedrontador que nos levaria a perder as referências sobre o que pode e o que não pode ser feito. Seria abrir mão da coerência em nome de algo bastante menor. Da mesma forma, como não sou totalitário, considero absolutamente imoral a tentativa de se “convidar” o ex-presidente Lula a ocupar um ministério como rota de fuga ao risco de uma eventual condenação pela justiça comum. Não há, pelo menos até aqui, justificativa (comprovada ou não) para se requerer uma prisão preventiva do Lula bem como, de tal modo, não existe decência na artimanha da pasta ministerial. Sejam sérios e povo há de endossá-los. Sejam fracos e inventivos que povo se dispersa.

GuiCarloni15032016

Mãe Querida,

Há quase três anos, 30 de abril de 2017, vivenciamos juntas a triste partida do seu grande e inseparável companheiro, meu amado pai. Aos pr...