sexta-feira, 21 de julho de 2017

Memórias de um concurso público que me deixou lições para toda a vida




Por Marcos Mairton

Escrevo hoje sobre fatos que estão prestes a completar vinte anos, mas são muito presentes em minha memória. Além disso, podem servir de inspiração a quem enfrenta atualmente as batalhas do conhecimento nos concursos para cargos jurídicos, os chamados "concurseiros".
Em 1997, eu era advogado no Banco do Nordeste do Brasil, uma sociedade de economia mista, na qual trabalhava desde 1980. Emprego conquistado por concurso, aos quatorze anos de idade, no cargo de bancário aprendiz.
Havia percorrido todo um caminho do promoções e seleções internas, chegando a coordenador de uma equipe de advogados. Até que decidi buscar novos horizontes, e inscrevi-me em um concurso público para o cargo de Procurador do Banco Central do Brasil.
As vagas no Banco Central eram distribuídas por localidade, duas para Fortaleza.
- Só duas? - perguntou um amigo.
- É suficiente - respondi sorrindo. - Deixa o resto do pessoal brigar pela outra!
E comecei a estudar, item por item, o programa.
Tratava a dedicação ao estudo como um segundo emprego. Todos os dias. Com hora certa para começar e terminar. A diferença era que, nesse segundo “emprego”, ao invés de os sábados, domingos e feriados serem momentos de descanso, eram dias de carga horária dobrada.
Valeu a pena. Feitas as provas e publicado, algum tempo depois, o resultado, vi a brincadeira que houvera feito meses atrás tomar forma de profecia: no site do CESPE, meu nome era o único no espaço reservado aos aprovados para as vagas de Fortaleza; a outra vaga havia sobrado.
A história poderia ter terminado com esse final feliz, mas estava apenas começando. E começando de um jeito que eu jamais esqueceria.
Tendo ido dormir certo da aprovação, somente no dia seguinte percebi que havia sido aprovado apenas na prova objetiva, e não na subjetiva. Nesta, deixei de alcançar a nota necessária para atingir o perfil mínimo. Faltaram-me dezessete centésimos.
Isso mesmo, dezessete centésimos de ponto. Com um detalhe: a pontuação máxima da prova era 20, com um perfil mínimo de 10. Então, tendo feito 9,83 pontos, faltaram-me os fatídicos 0,17.
Se o leitor chegou até aqui, deve estar se perguntando: como assim? Era o que eu também me perguntava naquele dia. Longas foram as horas que se seguiram até que as cópias das planilhas de correção estivessem em minhas mãos. De posse do material, passei a oscilar entre a frustração e a incredulidade.
Eram apenas duas as questões da prova subjetiva. Os avaliadores consideraram que errei totalmente a primeira (resultado que até hoje não aceito) e atribuíram-me os dez pontos da segunda. Isso me garantiria a aprovação, não fosse pelos dezessete centésimos que me foram descontados, pelo que consideraram um erro de português.
O erro causador de efeito tão catastrófico? Eu escrevera “supra mencionado”. Assim mesmo, com o “supra” separado do “mencionado”.
Claro que eu sabia que se escreve “supramencionado” em uma palavra só. No rascunho havia escrito certo. Mas aquele era meu primeiro concurso jurídico, então achei que seria uma boa ideia escrever em rascunho e depois transcrever para a folha de respostas. Na hora de “passar a limpo”, por alguma razão, a cisão aconteceu. Surgiu um espaço entre o “supra” e o “mencionado”.
Recorri administrativamente, sustentei de várias formas que aquilo não chegava a ser um erro gramatical, mas somente o Judiciário acatou meus argumentos. Obtive medida liminar determinando minha nomeação e posse.
Surgiu daí um momento de difícil decisão: valeria a pena deixar o emprego público em uma entidade paraestatal, na qual havia entrado por concurso e construído toda uma história de dezoito anos? Não seria arriscado demais tomar posse no novo cargo, em caráter precário, como é próprio das medidas liminares?
Tentei algum tipo de afastamento temporário, ou uma forma de desligamento que me permitisse voltar ao cargo, caso a liminar fosse cassada, mas sem sucesso. Terminei pedindo demissão do BNB e tomando posse como Procurador do Banco Central no dia seguinte, em janeiro de 1998, por força de liminar.
Narro esses acontecimentos para compartilhar com os leitores - especialmente os concurseiros - o quanto foi frustrante tomar conhecimento da derrota, depois de haver comemorado a vitória. Ver escapar por entre os dedos a conquista. E, o que me parecia pior, ser derrotado por minha própria incompetência (ou pela arrogância de examinadores insensatos), e não para um concorrente mais preparado.
Mas, escrevo também, para dizer o quanto valeu a pena não me deixar dominar pela frustração. Seguir em frente, sem medo de enfrentar outras batalhas.
Correr o risco da posse precária talvez não tenha sido a opção mais sensata. Mas, no fim das contas, é provável que a condição “sub judice” - que me acompanhou durante toda a minha permanência no Banco Central - tenha sido um dos maiores incentivos para continuar estudando. Até com mais afinco. Não é nada agradável viver sob o risco da cassação de uma liminar que nos garante o emprego.
A aprovação em concurso para Advogado da União, e a posse no cargo, em fevereiro de 2000, puseram fim ao processo judicial - extinto por perda do objeto - e a dois anos de tensão. Quatorze meses depois, deixei a AGU para me tornar colega dos juízes federais cujas decisões me haviam proporcionado fazer aquela travessia.
De tudo isso, guardo a lição de que é preciso determinação na busca dos nossos objetivos. Não desanimar, quando as coisas parecerem não estar dando certo, nem permitir que a ansiedade tire nossa concentração do momento atual.
Aos que buscam o seu espaço através de concursos públicos, costumo dizer: não adianta ficar pensando se a prova vai ser difícil, nem se há muitos concorrentes; seu compromisso é estudar o mais detalhadamente possível cada item do programa.
E digo também que se acostumem a escrever sem ter que passar a limpo.
A verdade é que passei anos sem escrever a palavra “supramencionado”. Ainda hoje, não consigo escrevê-la sem lembrar de toda essa história.
P. S.: Ao narrar esses fatos, rendo homenagem a Romério Coelho Portela de Melo e Peter John Arrowsmith Cook Jr, meus colegas, procuradores do Banco Central, com quem pude contar nos momentos mais difíceis desse período da minha vida.

Supra-citado não, Excelência, supracitado!







 Uma das mais tormentosas questões para quem escreve em português é o uso correto do hífen. Este sinal gráfico (-), a que também se chama traço de união, é usado para pacificar os elementos de um composto, para que não vão a vias de fato. É utilizado para servir de conciliador a alguns prefixos e os demais elementos de uma palavra composta, prevenindo-se conflitos e mortes gramaticais, e é aplicado para separar as sílabas em final de linha, ou, ainda, para indicar os elos enclíticos e mesoclíticos.
Das hipóteses acima algumas são rigorosamente indolores e de facílima aplicação. Nem se necessita de anestesia. No entanto, quem quer que escreva precisa de arriscar-se a comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Refiro às palavras bem e mal e não exatamente à transgressão adâmica noticiada no Pentateuco. De fato, as palavras bem e mal têm temperamento irascível e exigem espaço exclusivo. São indomáveis. Para praticar o bem, deve verificar se se trata de palavra composta por aglutinação, caso em que não haverá hífen [benquisto, benfeitor]. Não sendo assim, convém recolher da árvore do conhecimento do bem e do mal alguns hífenes a serem usados em bem-estar, bem-vindo, bem-aventurança etc. E, para não parecer pessoa malcriada ou mal-educada, ou alguém que queira malferir o idioma, será bom saber que, após praticar o mal, usa-se o hífen em palavras começadas por vogal, h ou l, como nos exemplos “mal-humorado” e “mal-limpo” [VOLP da ABL].
Em “Deixem o hífen em paz”, trabalho disponível na internet [http://goo.gl/6lJHde], Wertheimer e Scarton lembram-nos didaticamente do que alguns dizem sobre o hífen: “foi nosso arquiinimigo, e continua sendo nosso arqui-inimigo” [sic].
Sem fugir ao tema, falemos de flores. Ah, as flores… Gosto delas. Outro dia, fui comprar umas e meti-me em apuro. Vi uns malmequeres lindos e pedi à vendedora duas dúzias deles. A florista, uma mui jovem senhora de uns oitenta anos de idade, não percebeu plenamente o que eu lhe pedira, e perguntou-me: “quer malmequeres ou bem-me-queres?”. Falava sério e tinha lá as suas razões. Para não criar desentendimentos com os defensores do Acordo Ortográfico de 1990, nem com os seus respectivos opositores, ela organizara na sua loja duas alas de prateleiras. Numa delas estavam todas as flores com os nomes anteriores ao Acordo Ortográfico, e que assim se mantiveram após a sua vigência; na outra, as de nomes alterados pelo Acordo. Respondi-lhe: “senhora, venda-me os mais baratos”, contudo, uns e outros tinham o mesmo preço. Eram iguais. Comprei-os e entrei numa livraria para adquirir logo uma gramática da língua portuguesa.
Antes de reformar-me, trabalhava na função pública e servia a um dos ramos da Justiça Federal. Lá, degustei sem sal e sem tempero muitos batráquios anuros vivos. Um dia, engoli um desagradável e irrequieto sapinho. Na qualidade de secretário de audiência, função que exercia ao tempo do episódio, deveria exarar em ata tudo o que me ditava o/a juiz/a. Assim, ao ouvir o que o/a magistrado/a dissera, eu digitei “supracitado”. Na altura, ele/ela exigiu-me enfaticamente intercalar um hífen a supra e a citado, para, enfim, chegar vitoriosamente ao “supra-citado”. Tudo isto audível e publicamente, claro. Sentindo-me qual verdadeiro iletrado, cumpri silente e fielmente o seu divinal e judicial mandado.
Com efeito, o Acordo Ortográfico andou a modificar as coisas. Mas, no caso do termo supracitado, em nada o afetou. A dúvida que tenho – e nem a poderia extirpar via embargos declaratórios, porque precluído o prazo processual – é se aquele/a magistrado/a já terá aprendido a escrever supracitado. Tê-lo-á? Insondável mistério!
Senhoras e senhores, façam as suas apostas. Dou-lhes uma…

Posted on 5 de Dezembro de 2016


Magno R Andrade
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Magno Reis Andrade, protestante, brasileiro, nasceu em 17 de Junho de 1951, em Jequié, BA. Aos oito anos de idade, foi com os seus pais morar na capital baiana. Em 1969, foi admitido na Universidade Federal da Bahia, para, em 1973, bacharelar-se em Farmácia-Bioquímica. Com tal competência laborou até o ano de 1980, principalmente no Município de Bom Jesus da Lapa, BA. Lá, conheceu a sua futura esposa, a mesma que lhe daria as suas duas preciosas filhas. Em 1980, aceitou o desafio de trabalhar numa função pública municipal em Salvador, BA. Neste mesmo ano, ingressou no curso de Administração de Empresas, mantido pela Universidade Católica do Salvador, instituição que, em 1986, conferiu-lhe o respectivo grau de bacharel. Ainda em 1980, voltou à Universidade Federal da Bahia, para realizar o curso de Administração Pública, enfim, inconcluso por exiguidade de tempo. Mediante concurso público, em 1989 passou a exercer o cargo efetivo de Analista Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região, BA. Ao se reformar em Novembro de 2010, exercia há sete anos as funções de assessor jurídico no Serviço de Análise de Processos Judiciais, unidade organizacional de direto apoio à Presidência do Tribunal trabalhista. Em 1990, retornou à Universidade Católica do Salvador, desta feita para, em 1995, obter o grau de bacharel em Direito. Entre os anos de 1970 e 1973, integrou profissionalmente o Madrigal da Universidade Federal da Bahia. Gosta de idiomas, ama a língua portuguesa.

Mãe Querida,

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