quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Quebra-vento

                                                                Torta de maçã acompanha o seus pedidos?

Lembro até hoje. Quando era criança [bem entendido, idade cronológica], os carros possuíam um item de série muito útil, chamado quebra-vento. Para os mais novos, o artefato em questão era um segmento vertical (se assim puder ser descrito) instalado nos vidros laterais dos automóveis. Tinham por função não permitir que, com o carro em movimento e as janelas abertas, a entrante massa de ar atingisse os rostos do motorista e/ou seu passageiro da frente. Utilíssimos em dias de chuva, quando apenas aquelas pequenas partes podiam ser abertas, mantendo secos os ocupantes do bólido. Importante salientar que nessa época, os carros não tinham ar condicionado. Também eram ótimos para quem tinha pai, mãe ou algum fumante no veículo. Algumas senhoras usavam seu trinco para pendurar a bolsa, mas deve ser boato e não interfere na continuidade aqui.
Sem fazer qualquer pesquisa e com reduzidas chances de erro, posso afirmar que este item foi cobrado como opcional em seu momento áureo, mesmo que tacitamente. No Brasil. Pela indústria automobilística nacional. Ah, sim, por ignorar a situação de fora daqui, este texto tem apenas o Brasil como território-aplicação. Um dia, inadvertidamente, eles simplesmente deixaram de existir. Os carros nunca mais foram fabricados com quebra-ventos. Provavelmente, por inadequação ao design trend de nossos dias ou por corte de custos e simplificação do portfólio produtivo. Ou por tudo isso junto. E não há qualquer evidência ou relato de que os preços sofreram qualquer redução depois dessa medida.
É bem verdade que o nível de consumo geral vivido hoje é superior ao de qualquer época anterior. A disponibilidade de recursos financeiros e a homogeneização do poder de compra também crescem há, pelo menos, três décadas por aqui. Tamanha avidez por bens leva as pessoas a, fatalmente, comprar coisas das quais não necessariamente precisam. Ou a pagar preços sem analisá-los profundamente. Torna-se relativamente fácil então, num cenário assim, por parte dos criadores de necessidades - os marqueteiros - a inclusão de quebra-ventos em cada pequena ou grande coisa que por eles é (re)inventada.
Quem toma café espresso sabe. Ou você compra o combinado café + biscoitinho + água com gás ou você não toma deste café. E, mesmo se não houver qualquer interesse pelos adicionais água e biscoito (e suas variações: mini pão de queijo, casca de laranja com açúcar, sequilho, pastilhas de chocolate, waffer (!), pequeno pedaço de brownie ou até – já vivi – uma mini bola de sorvete!), você será obrigado a pagar pelo conjunto. Já inflacionou o suficiente. E foi incorporado ao hábito das pessoas. Ao meu também.
Um amigo fez observação similar para o que está acontecendo com as varandas dos apartamentos. Alguém criou a sacada gourmet que, por princípio, é fantástica. Útil. Prática. Versátil. Incorpora algo das casas aos apartamentos. Um show de ideia. Mas, tente encontrar um apartamento em construção que não tenha uma varanda com churrasqueira, espaço pra mesa, cadeiras, pontos de rede etc. Virou tarefa árdua e aumentou o preço cobrado pelo metro quadrado. Até para quem é vegetariano ou macrobiótico e não come churrasco.
Outro exemplo interessante é o que aconteceu com as televisões a cabo. É mais difícil contratar um plano que forneça apenas alguns canais de TV, do que cancelar um plano com a Empresa contratada. Ou você compra tevê + internet + telefone fixo (...) ou fica com os enlatados nos canais abertos. Outra constatação: nas grandes redes de lanchonetes, cobra-se mais caro por um sanduíche desacompanhado do que se, junto a ele, o comensal aceitar e pagar pela jornada plena, envolvendo batatas fritas, bebida, sobremesa, brinquedos e outros.
Medidas como essa do quebra-vento não deveriam ser tomadas antes de uma pesquisa de opinião. Seria de mui bom grado se todos pudessem enxergar essas iniciativas da indústria como algo repugnante, e unidos, pudéssemos evitar a instalação de quebra-ventos no que ainda não tem. Do contrário, continuaremos pagando (cada vez) mais por aquilo que não pedimos, mesmo que isso signifique ficarmos livres do vento na cara.
                                                                                                                                [@GuiCarloni, Jan’13]

Mãe Querida,

Há quase três anos, 30 de abril de 2017, vivenciamos juntas a triste partida do seu grande e inseparável companheiro, meu amado pai. Aos pr...